Numa certa noite como em muitas outras, Íris e o seu pai António, sentavam-se no alpendre de sua casa e deslumbravam-se com a noite salpicada de estrelas que se expunham por cima deles. Íris amorfadava cada uma delas com os seus olhos de devorar o mundo e guardava na sua cabeça para mais tarde as contemplar nos seus sonhos.
Em absoluto silencio a admiração em redor daquele céu tão iluminado fazia a pequena menina a divagar em desejos porque, as estrelas ela guardava religiosamente debaixo da sua alçada, mas o seu desejo era maior que suas mãos, ela queria mais…
- Papá eu queria te pedir uma coisa!
Dito em plena melancolia como só uma criança sabe pedir, o pai já adivinhava um pedido impossível que teria de tentar concretizar para deleite da luz de seus olhos.
- Diz minha linda.
Tudo o que pedires o Papá te dará.
- O céu hoje esta tão lindo, não está?
- Sim, tantas luzinhas que se estendem por todo o lado…
- Papá. Dá-me a lua.
Quero a lua só para mim…
Aquele pedido deixou-o estático, a sua mente elaborava atalhos para fugir de tamanho trabalho, como iria ele desencantar outro pedido para que a sua filha esquecesse a lua.
- Mas filha, a lua não pode ser só tua, ela é de toda a gente que gosta de a admirar como nós estamos agora a fazer.
- Eu queria só para mim, é tão linda Papá!
- Íris ela esta tão alta, como é que o Papá chegaria lá?
- Com uma escada, com uma escada chegarias…
- Íris, com uma escada?
Com uma escada eu nunca conseguiria, e a nossa é muito pequena.
- Pedes outra escada ao Sr. Justino, o vizinho…
- Eu não vou agora pedir uma escada ao Sr. Justino.
- Por favor Papá!
O seu olhar esbugalhado, quase envolto em lágrimas para acentuar o seu desejo, fizeram derreter o coração deste pai que se viu envolto numa tarefa para demonstrar o amor que tinha pela sua filha, porque pedidos impossíveis não existem, existem sim, é empenhos fúteis.
- Espera aqui por mim e não saias daí…
- Vais dar-ma?
- Vou ver se posso!
Levantou-se e pousou suavemente a sua filha, despedindo-se com um leve toque nas suas tranças. A mãe acercava-se á porta olhando a silhueta do marido a dirigir-se para a garagem.
-Mamã, Mamã! O Papá vai dar-me a lua!
Íris correu para a sua mãe em tamanha alegria abraçando-a pela sua cintura enquanto os olhos da mãe deixavam cair uma pequena lágrima que prontamente secou com as mangas da camisola.
Um chiar intenso rasgava o silêncio daquela noite, era António que carregava uma escada de alumínio que com grande maneio esticou e encostou à fachada de sua casa. Cláudia olhava-o com esperança de ouvir a justificação para aquilo, mas a sua curiosidade obrigou-a a perguntar:
- António o que vais fazer com essa escada?
- Vou dar o maior presente que jamais poderia dar à minha filha.
- Mas não és capaz!
Já as costas voltadas de António se despediam dos comentários de sua mulher, Cláudia incrédula agarrava-se à pequena miúda e seguia a sombra de seu marido que se embrenhava na escuridão em direcção da casa do vizinho. A casa do Sr. Justino era pegada à sua, por isso de imediato a campainha soou alarmando o seu dono.
Um velho bonacheirão acercou-se à porta e admirado com a presença de António aquela hora perguntou-lhe assustado:
- António aconteceu alguma coisa, homem?
- Boa noite Justino, desculpe chateá-lo a esta hora mas precisava de um favor seu…se fosse possível.
- Desembuche, homem…
- Empresta-me a sua escada, por um momento.
- Vens pedir uma escada a esta hora da noite?
- Sim eu sei que é um pouco estranho mas a minha filha quer a lua e eu quero dar-lha!
Resmungando pelo caminho, Justino lá emprestou a sua escada que se encontrava na sua oficina.
António correu até casa e escalou a sua enquanto amparava o peso da escada de Justino que batia incessantemente nos degraus, António abriu a escada e apoiou os pés em cima da escada pousada e equilibrou-a, mas precisava de mais, só duas não chegavam para atingir o seu objectivo. Desceu a toda à pressa e olhou fixamente para Justino que o seguira, incrédulo no trabalho do vizinho.
- Preciso de escadas, não conhece quem as tenha?
O vizinho já se interrogava se António tinha perdido o juízo ou se estava a dormir e que tudo aquilo não passava de um sonho.
- Bem, tem o Torcato, o Belmiro, o Seixas, o Andrade, o Chico, o Rui da vinha, o Júlio…
António percorrera toda a sua rua e pedia o mesmo a todos, uma escada a maior que possuísse. Toda a noite António desgarrado trepava as escadas com afinco e apoiava as outras com bastante cuidado, uma após outra e após outra e após outra.
Nesta jornada sem fim já uma pequena multidão se aglomerava em torno de sua casa olhando para o céu que já parecia tão próximo com o avançar de tantas escadas.
A sua rua não chegava para alcançar a altura em escadas, São Coronado era pequeno para tanta ânsia de escadas toda a Trofa ele calcorreou em demanda de escadas, e escadas e mais escadas, chegava a casa e encavalitava até ao seu objectivo, já sentia o atropelo da multidão que clamava o seu nome, incentivando o seu desejo.
Íris olhava com sua mãe a escalada que talvez fosse a ultima para António.
- O Papá demora tanto tempo a chegar lá…
- Filha, a lua está muito longe, não te preocupes, em breve ele chega.
António exausto, descia a pouco e pouco a escada que instalou até à pérola desejada por sua filha, ao tocar no solo soltou um grito de triunfo:
- Consegui, eu consegui querida!
A pequena arregalou seus olhos cor de avelã e iluminou-se com um sorriso que atingiu toda a multidão que se acotovelava no seu jardim.
- Dá-ma Papá!
- Eu não consigo trazer-ta…
- Consegues, consegues…
O pobre pai sentiu-se derrotado com as palavras de sua filha, cruzou um triste olhar com o de Cláudia que a segurava em seus braços, num rápido movimento Cláudia pousou a sua filha no chão do alpendre e entrou de rompante em casa, António olhava à sua volta e milhares de caras fixavam-se em si; o espanto do seu feito revelava-se em suas faces. Cláudia sai esbaforida de casa e corre em direcção de António acercando-se dele com vários novelos de lã do seu tricot, suavemente afaga as suas mãos e repousa um beijo na sua testa.
Decidido sobe uma ultima vez as ultimantes escadas, que se perfilhavam às milhares sob o olhar ansioso de Íris que aguardava que seu pai regressasse de tão difícil tarefa. António chega esbaforido à lua e rodeia o planeta com um delicado fio que aperta suavemente o branco angélico que brilha sobre nós, desce apressadamente dando nós nos novelos que se finam em desenrrolos de quilómetros. Chegado ao chão com uma ponta de fio que não tinha fim, dirige-se à sua filha e amarra o fino fio em seu pulso…
- Aqui tens o que te prometi!
A lua, é toda tua…
Íris não conseguiu conter duas pequenas lágrimas que se soltaram enquanto abraçava seus pais envoltos num rufar de palmas que acordaram toda uma cidade adormecida.
Sem comentários:
Enviar um comentário